Os principais setores exportadores gaúchos não colherão os frutos do dólar valorizado imediatamente. A moeda segue cotada acima de R$ 3,50. Representantes dos setores de móveis, calçados e máquinas e implementos aguardam os primeiros retornos financeiros positivos apenas para novembro e dezembro, mas os benefícios em larga escala, caso a situação cambial permaneça, devem aparecer no primeiro semestre de 2016. De qualquer maneira, todos admitem que o mercado externo se consolida como uma saída para o cenário interno desaquecido. Por outro lado, as matérias-primas importadas aumentam os custos e diminuem os ganhos.
Os dados da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), com sede no Rio Grande do Sul, indicam uma retração de 12% em volume e de 11,2% em dólares nas exportações no acumulado do ano até junho - os números de julho ainda não foram divulgados. Foram embarcados, até então, 56 milhões de pares por US$ 464 milhões. Em junho, entretanto, as vendas geraram US$ 78,5 milhões, crescimento de 4,2% na comparação com o mesmo mês do ano passado. Na visão da entidade, os números representam uma retomada gradual das exportações, o que deve acontecer com mais intensidade no segundo semestre.
Para o presidente da Abicalçados, Heitor Klein, a evolução devido à desvalorização do real não foi maior pois a estabilização da moeda norte-americana em um patamar alto aconteceu depois das negociações da temporada de outono/inverno no Hemisfério Norte, em janeiro e fevereiro. "Nessa época, os exportadores ainda não tinham confiança para transferir a desvalorização para os preços", afirma. De acordo com Klein, somente agora as empresas gaúchas estão conseguindo formar preços mais competitivos. Afinal, atualmente, o setor negocia os itens da primavera/verão. "A retomada pelo dólar vai acontecer, mas será gradual. Mais acentuadamente, do primeiro semestre de 2016 em diante", completa.
As projeções dos calçadistas dão conta de um crescimento entre 5% e 10% no segundo semestre em comparação com o mesmo período do ano anterior, justamente por influência do momento cambial. Nesse sentido, dois mercados têm a prioridade: a China e os Estados Unidos. O primeiro, essencialmente, pelo aumento do poder aquisitivo da população. Uma missão com objetivos comerciais e de prospecção estará no país asiático em outubro. Quanto ao segundo, a Abicalçados espera, em cinco temporadas, chegar perto de 10% de participação nas importações norte-americanas para o setor. Atualmente, o share, que já foi de 12% nos Estados Unidos nos anos 1990, está entre 1% e 2%.
Com a recessão observada no primeiro semestre no mercado interno, quem está voltando sua produção para o exterior é o segmento de máquinas. A queda das vendas em território nacional chegou a 25%, segundo o presidente do Sindicato de Máquinas e Implementos Agrícolas (Simers), Claudio Bier. Ainda que os últimos seis meses do ano costumem apresentar recuperação internamente devido ao plantio da safra de verão e ao preparo para a colheita, torna-se inevitável priorizar negociações com outros países. "O mercado externo pode nos ajudar em um momento interno pouco aquecido", destaca Bier.
Os resultados financeiros, assim como em outros setores historicamente exportadores, ainda devem demorar a aparecer. Afinal, lembra Bier, a exportação ficou fora da pauta do segmento por alguns anos devido ao crescimento das vendas no Brasil até 2014. Apenas agora, com a desvalorização do real, se inicia um trabalho mais avançado para além das fronteiras. "O efeito do atual patamar do dólar nós vamos sentir em médio prazo, pois apenas agora nossos produtos ficaram mais competitivos lá fora. Mas são negociações que levam tempo, pois os mercados estão ocupados", completa Bier.
Por outro lado, a desvalorização do real frente ao dólar, que incrementa a competitividade fora do Brasil, causa aumento dos custos da matéria-prima, muitas vezes importada. É o caso do segmento de móveis. De acordo com o presidente da Associação das Indústrias de Móveis do Estado do Rio Grande do Sul (Movergs), Ivo Cansan, o setor não consegue repetir, nos dois últimos anos, o crescimento observado até então. A culpa recai sobre o aumento dos gastos com logística e energia elétrica, associados, agora, aos insumos importados.
Grande parte da matéria-prima utilizada - tinta, serragem, acessórios e componentes - é comprada em dólar. Outro exemplo é o HDF (sigla em inglês para Painel de Fibras de Alta Densidade), um painel de madeira industrializada de pinus ou eucalipto. O HDF é exigido por determinados importadores, mas não é produzido em larga escala no Brasil. "O câmbio tem nos ajudado, sim, mas, ao mesmo tempo, temos custos que disparam. Além disso, somos dependente de países da América do Sul, onde o crescimento da economia e o poder de consumo têm sido menores.
Para conseguir tirar proveito da situação do câmbio, os moveleiros pretendem buscar mercados de maior valor agregado, como a Europa - especialmente, França e Inglaterra - e Estados Unidos. "A grande maioria dos fabricante do Estado produz commodities para a América Latina, o que restringe o leque de opções no mercado externo. O nosso desafio, e já há um convencimento disso por parte das empresas gaúchas, é passar a ofertar produtos de maior tecnologia, design e matérias-primas de qualidade", diz o presidente da Movergs.
No primeiro semestre, as exportações gaúchas de móveis caíram 7%, passando de US$ 98,3 milhões no mesmo período do ano passado para US$ 91,4 milhões. Entretanto, mercados de maior valor agregado começaram a ganhar espaço. As vendas para os Estados Unidos, por exemplo, cresceram 26,8%, saindo de US$ 8,5 milhões para US$ 10,8 milhões. Segundo Cansan, o segundo semestre costuma ser mais favorável e o setor espera se recuperar e fechar o ano nos mesmos patamares de 2014, exportando mais de US$ 200 milhões.