Com a demanda enfraquecida pela recessão nos últimos anos e crédito restrito para as micro e pequenas empresas, a estratégia de fidelização é uma das maneiras para manter os negócios funcionando, enquanto a economia brasileira não retoma fôlego.
É o caso da proprietária da agência de viagens Everest Turismo, Lourdes Vieira. Nos últimos três anos, a empresária intensificou as ações para garantir mais segurança e apoio às viagens dos seus clientes.
“Nós sempre tivemos essa postura de oferecer suporte. Com a crise, trabalhamos mais esse perfil, acompanhando, por exemplo, todo o percurso dos passageiros por meio do WhatsApp. Se há alguma insatisfação, ficamos disponíveis [por meio do aplicativo] para resolver o que for necessário”, comenta.
A Everest Turismo, que está no mercado desde 1975, presta assistência na ida, durante e depois da viagem. “Sempre que o cliente retorna, ligamos para saber como ocorreu a viagem, se deu tudo certo. Nosso foco é fidelizar clientes por meio da segurança”, diz Lourdes, à frente da empresa desde 2005.
Já Kléber Kaplar, proprietário do restaurante Puro Sabor, abriu o seu negócio no centro da cidade de São Paulo em 2003, logo no início do período de grande crescimento econômico pelo qual o Brasil passou até 2013. “Essa rua vivia cheia”, relembra Kléber, ao apontar para o Viaduto Nove de Julho.
O restaurante atende, em grande parte, as pessoas que trabalham nas empresas da região. Com a crise, porém, o número de clientes caiu “praticamente, pela metade”. “Sentimos bastante o desemprego. Muitas empresas ao redor fecharam postos de trabalho, ou mudaram para outros locais”, conta.
“Estamos conseguindo nos manter, porque mudamos nossa segmentação. Antes trabalhávamos mais para um público de classe C. Hoje, o nosso é mais B. Essa mudança nos ajudou a captar novos clientes”, diz.
Desde o final de 2017, Kléber melhorou a qualidade dos seus produtos e reformou a estrutura física do restaurante. “Nossos serviços e produtos são, hoje, muito mais sofisticados do que em 2003. Naquela época havia muitos clientes para todos os restaurantes. Não era necessário fazer muita coisa”, ressalta o empresário do Puro Sabor.
Em relação ao futuro da economia, Kléber ainda o considera incerto, mas de uma coisa ele tem certeza: “Sabemos que as coisas não voltarão como na década passada, então resolvemos adaptar”, conclui.
Lourdes, por sua vez, conta que a sua estratégia de fidelização fez o número de contratação de viagens crescer nos últimos três anos. “Nunca se vendeu tanto Portugal como agora”, diz ela, ressaltando que o foco da empresa são viagens internacionais.
A empresária pensa em elevar o número de funcionários no futuro, porém, somente um fator a impede: as eleições em outubro. “Esse é o único motivo que me mantém cautelosa”, destaca.
Barreira política
O analista de Gestão Estratégica do Sebrae, Paulo Jorge Fonseca, afirma que, de fato, o período eleitoral é um obstáculo na melhora da confiança dos micro e pequenos empresários. Ele pontua que este cenário, somado à greve dos caminhoneiros, provocou queda na percepção dos empreendedores com relação à economia brasileira.
Uma pesquisa do Sebrae mostra que, em março, 49,2% dos 2.992 empresários ouvidos pela instituição apostava em uma melhora da economia nos próximos 12 meses, percentual que caiu para 31,4% em junho.
Contudo, Fonseca ressalta que a porcentagem de pequenas empresas que acham que a economia vai piorar (30,9%) segue menor do que aqueles que veem melhora, o que é positivo.
Em março, 18,5% das micro e pequenas avaliavam piora, número que subiu para 30,9% em junho. “O impacto da greve dos caminhoneiros foi grande na última pesquisa. Mas, como as coisas estão voltando ao normal, é provável que o sentimento dos pequenos empresários com relação à economia melhore. Principalmente depois de uma definição do cenário político, com o final das eleições”, conclui o especialista.
Falta crédito
As perspectivas para o pequeno industrial são mais críticas. O presidente do Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo (Simpi), Joseph Couri, afirma que, em junho, 10% das empresas do setor fizeram consultas para empréstimos e financiamentos, das quais 64% ou obtiveram “não” como resposta ou não tiveram nenhum retorno dos bancos.
Segundo Couri, esse cenário se agrava ainda mais levando em conta que apenas 2% das micro e pequenas indústrias paulistas têm capital de giro mais do que suficiente. “Esse é o pior índice percentual desde setembro de 2016”, informa Couri. O crédito para capital de giro é um dos mais solicitados pelo setor, diz o presidente do Simpi.
O proprietário da fábrica de parafusos Tec Stam, Humberto Gonçalves, diz que, de fato, a dificuldade de acesso ao crédito é um dos maiores problemas para a retomada do setor.
“A indústria está descapitalizada. Não temos linhas de crédito que financiem os investimentos do pequeno negócio”, conta Humberto. “Estamos trabalhando para nos mantermos. Não vamos investir, nem contratar”, enfatiza o empresário.
Segundo ele, a greve “derrubou” as vendas e o faturamento da sua empresa em maio, junho e julho. “Somente nesta última semana, houve uma sinalização de melhora”, comenta o proprietário da Tec Stam.
O presidente do Simpi acrescenta que 46% das micro e pequenas indústrias tiveram uma alta significativa nos custos de produção em junho e que essa tendência deve se manter, diante da elevação dos preços da gasolina, energia e gás.
Mercado em alta
Na contramão de boa parte das pequenas indústrias, a proprietária da empresa de massas orgânicas Massa Verde, Jade Stip, relata que as perspectivas para o seu negócio são boas e que ela pretende contratar funcionários mais para frente.
Ela abriu a empresa em agosto de 2017, porém, durante os dois anos imediatamente anteriores, ela estudou o mercado. “Ao contrário de muitos setores, o mercado de orgânicos expandiu durante a crise. O que aconteceu foi uma redução da velocidade de crescimento, mas não uma queda”, pontua. “Nós procuramos nos distanciar das notícias negativas, pois isso acaba esfriando muito o mercado.”