Nos últimos 2 anos temos vivenciado momentos muito desafiadores no âmbito comercial. Por um lado, nossa economia enfraquecida pelos acontecimentos políticos – que consequentemente tiram de nós algumas oportunidades de sucesso nos negócios, os quais, provavelmente, em cenários mais seguros, ocorreriam sem tal instabilidade.
Por outro lado, justamente por conta deste cenário desafiador, uma disputa se acirra entre os players concorrentes, sempre buscando ampliar suas carteiras, com o bem mais valioso que temos – nossa base de clientes. Nossa base, como sabemos, é a que conta com a prova de conceito realizada, e neste cenário de competição ainda mais elevada, um desconto ou uma melhor oferta por parte de um concorrente pode ser o mote para uma possível troca de fornecedor, com menos “esforço”.
E assim, naturalmente, a necessidade de prospectar aumenta. Mas aqui mora um perigo importante: muitas vezes, me parece que começamos uma espécie de “corrida maluca” para capacitar nossos vendedores a qualquer preço. Grandes investimentos são realizados nas equipes comerciais nestas épocas de maior instabilidade e consequente maior competição.
Treinamentos em vendas, certificações A, B ou C, técnicas de oratória, de negociação, programas de neurolinguística, capacitação em idiomas, reuniões e mais reuniões de alinhamento, assertividade de Forecast, estudo de cases de sucesso, especializações em verticais, planejamento de contas, planejamento comercial, atualizações técnicas, participação de inúmeros eventos... Ufa! Nesta busca desenfreada por transformar colaboradores em super-vendedores, certamente, um enorme montante de tempo, esforço e dinheiro terá de ser investido.
Esse nosso ritmo de criação, a qualquer custo, de “super-vendedores”, me lembra muito um trecho do filme Matrix, em que os “agentes” se veem no meio de uma luta e param por instantes para fazer uma série de downloads instantâneos, com treinamentos necessários para atingir seus objetivos. Neste sentido, lá seguem os agentes aprendendo desde karatê até a pilotagem de um helicóptero... Bem, mas o fato é que a realidade não é um filme.
Como um profissional, seja um administrador ou um técnico, por exemplo, se transforma em um vendedor? Quais são seus motivadores para esta transição de carreira? O que move alguém a ter vontade de vender? Bônus, premiações, comissão? Creio que não.
A reflexão que trago a este artigo é, será que nossos vendedores têm o principal fator necessário para ter sucesso em vendas: vontade e gosto por vender?
Quando me refiro à vontade, começo a análise pela raiz. Será que estes profissionais estão felizes com que estão fazendo? E, mais do que isso, será que eles estão conseguindo sentir realização fora do ambiente de trabalho? Estão felizes com o que fazem, tendo orgulho e prazer em vender algo? Possuem razões intrínsecas que os tornem, por opção e esforço, exímios vendedores?
Não jogo para a empresa a responsabilidade por resolver estas questões (relativamente) externas. A reflexão aqui é: será que não é importante cuidar um pouco mais do direcionamento de nossos esforços na construção de grandes equipes? Será que não devemos ficar atentos para perceber se esse empoderamento profissional que proporcionamos, na verdade, é um movimento superficial, que pode até trazer resultados em curto prazo, mas, no fim, não satisfaz nem o colaborador, nem a empresa nos seus objetivos estratégicos de longo prazo?
Temos muitos exemplos no Brasil e no mundo de pessoas reconhecidas como vendedores natos. E não somente os bem-sucedidos financeiramente, mas também os de vida mais simples ou os que vieram “de baixo”.
Estes profissionais me parecem ter algo em comum: felicidade e propósito em vender algo. Parecem estar bem consigo mesmo, possuem um brilho nos olhos quando desempenham suas atividades e conseguem, com muito mais naturalidade, mover alguém a comprar algo. Em outras palavras: a motivação deles é a que contagia e impulsiona a de motivação de compra de seu público. Uma não funciona sem a outra.
Trata-se, simplesmente, de se sentir bem com o que se está fazendo, e não apenas fazê-lo para alcançar metas e receber bônus ou comissões. Trata-se de um claro propósito, vender algo que acredite, com prazer e entendimento total do valor agregado que irá gerar para a outra parte compradora, sendo, sim, bem remunerado por isso.
Manter pessoas sem vontade de vender na empresa, achando que com preparações “goela a baixo” as transformaremos em ótimos vendedores, para mim, está mais claro do que nunca que não faz mais o menor sentido. Não estou dizendo que preparo não é importante, pelo contrário. Preparo é fundamental. Mas a base de tudo está na verdadeira vontade de ser um bom vendedor, na clareza de propósito que vem antes de tudo.
Temos então de começar a dar mais valor aos nossos processos de recrutamento e seleção, mais valor as conversas entre líderes e liderados dentro de qualquer estrutura hierárquica, para que aquelas percepções muitas vezes substituídas por frias avaliações de desempenho, sejam vitais para perceber, realmente, que um ou outro profissional não está confortável com o de desafio de vender. Ele simplesmente não gosta, não se sente bem nesta posição, e quem sabe poderia estar contribuindo muito mais em outra. Neste universo, a valorização do real potencial de um colaborador é simplesmente crucial para o sucesso de qualquer empreendimento.
Dizem que tudo o que fazemos na vida somente traz resultados se gostamos de fazer e estamos felizes. Em vendas, isso é especialmente claro, pois os resultados são tangíveis. No âmbito comercial, o profissional irá lidar o tempo todo com interações humanas, com conversas, compreensão e resolução de problemas. Logo, ele precisará estar primeiramente bem em sua esfera pessoal para assim poder transmitir segurança ao seu cliente, afinal, sua abordagem e sua postura são fatores fundamentais neste sutil processo de convencimento e conquista da fidelidade de um consumidor.
Será que não está na hora de avaliarmos, estudarmos e entendermos um pouco mais sobre os reais motivadores de nossos vendedores e seu propósito em vendas, antes de tomarmos decisões de como ampliar suas competências com altos investimentos?
Precisamos, antes de mais nada, direcionar o nosso foco na formação de uma equipe feliz e satisfeita com o que faz. Após concluída esta etapa, o seu desempenho se torna consequência da sua disposição e capacidade de absorção de todos os treinamentos e capacitações que lhes forem oferecidos.
Sem uma mente plena e sadia, podemos ter todo o preparo do mundo, mas nada disso será aproveitado ou aplicado nas interações diretas com o nosso público. É hora de pararmos e observamos melhor as motivações de nossos colaboradores. Do contrário, seremos apenas outros corredores de uma corrida maluca e sem propósito.