O governo federal atendeu à demanda de produtores rurais e prorrogou o prazo para adesão ao Refis do Funrural para 30 de outubro. A MP será publicada no Diário Oficial da União (DOU) desta quarta-feira (30).
O projeto criando o Refis para o Funrural foi sancionado pelo presidente Michel Temer em 9 de janeiro deste ano e previa, inicialmente, prazo de adesão até 28 de fevereiro. Em março, porém, o Congresso Nacional aprovou MP prorrogando o prazo para 30 de abril. O projeto inicial foi sancionado com 24 vetos, que acabaram derrubados pelos deputados e senadores no início de abril.
Os principais vetos derrubados foram a trechos da proposta que previam o desconto de 100% das multas e encargos do saldo das dívidas e a redução da contribuição previdenciária dos produtores rurais que administram empresas - de 2,5% para 1,7% do faturamento. O Funrural é uma contribuição paga pelos empregadores do agronegócio para ajudar a custear a aposentadoria dos trabalhadores do campo. Ela incide sobre a receita bruta da comercialização da produção agrícola.
A decisão busca acalmar os ânimos do segmento ruralista, que já demonstra preocupação com os prejuízos decorrentes da greve dos caminhoneiros e a dificuldade em escoar a produção. Inicialmente, o prazo iria até 30 de abril. No final daquele mês, porém, o governo anunciou extensão do prazo até 30 de maio, atendendo a pedido dos ruralistas, que queriam aguardar julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) dos embargos declaratórios sobre a decisão da Corte que considerou constitucional a cobrança da contribuição. O STF manteve a constitucionalidade do tributo.
Por sete votos a três, o STF decidiu manter a validade da cobrança da contribuição ao Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural), tributo cobrado sobre a receita bruta da produção dos empregadores rurais. Parte do valor arrecadado com o Funrural é usada pelo governo federal para financiar os benefícios previdenciários dos trabalhadores rurais, como auxílio-doença e aposentadoria.
A Corte validou a cobrança em julgamento de março de 2017, mas precisou enfrentar recursos contra essa posição em sessão plenária do dia 23 de maio. O julgamento foi motivado pela decisão da Corte que, em março do ano passado, julgou constitucional uma lei de 2001 que tornou obrigatória a contribuição para o Funrural. Após a decisão, oito recursos de associações de agroindústrias e de produtores rurais chegaram ao tribunal para contestar o período de cobrança do imposto.
Todos alegaram que a cobrança do tributo não poderia ser feita entre 2010 e março do ano passado, em função de outra decisão da Corte que declarou inconstitucional a criação do tributo por meio de lei ordinária. Dessa forma, as entidades pediram ao Supremo que fosse definido o período de cobrança, por entenderem que houve mudança na jurisprudência da Corte com a decisão de 2017.
Ao julgar o caso, a maioria dos ministros da Corte, seguindo voto de Alexandre de Moraes, entendeu que o Supremo não declarou o Funrural inconstitucional em 2010, mas tratou somente sobre a ilegalidade formal da lei que criou o tributo, ou seja, nunca houve mudança de entendimento a justificar a definição de um período de não incidência.
Além disso, o ministro afirmou que a concessão do pedido de definição do período de cobrança seria uma anistia e feriria a boa-fé de quem pagou os impostos desde a sanção da lei. A controvérsia foi provocada em função de liminares concedidas para suspender a cobrança para alguns produtores.
"Declaramos constitucional uma lei que está sendo cumprida desde 2001 pela grande maioria dos produtores, aqueles que pagaram, vem pagando esses 17 anos para eventualmente modular e favorecer aqueles que não contribuíram. Como ficariam os milhares de pequenos produtores que contribuíram? Aqueles que cumpriram a legislação, eles teriam que ter seu dinheiro de volta?", indagou o ministro.
A decisão terá impacto em 20 mil processos que estavam suspensos em todo o Judiciário e aguardavam a manifestação da Corte. A mobilização dos produtores rurais começou quando, em março de 2017, por maioria, os ministros votaram a favor de um recurso ajuizado pela União contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que havia afastado a incidência da contribuição.
O vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Pedro de Camargo Neto, explica que, para quem conseguiu uma liminar para não pagar o tributo, a incidência será cobrada desde o ano em que a pessoa entrou na justiça. Para aqueles que não questionaram o pagamento ao Funrural, a dívida retroage em até cinco anos da data em que o produtor é citado pelo governo.
Para Camargo Neto, que lamentou a decisão do STF, houve uma lentidão inaceitável para a análise do caso, uma vez que a lei declarada constitucional em 2017 foi sancionada em 2001. "É uma grande falta de segurança jurídica. Justiça lenta não é justiça", disse o vice-presidente da SRB.
Em sua visão, os produtores agora deverão tratar sobre o passivo no âmbito do legislativo, uma vez que no judiciário a questão está resolvida. Mas não há grandes expectativas com o parlamento, levando em consideração as contas do governo e o ano eleitoral, comentou Camargo Neto.
O vice da SRB também discordou do que disseram alguns dos ministros na sessão, de que os pleitos beneficiariam apenas os grandes produtores. "As grandes dívidas são dos frigoríficos, mas também há cooperativas, de pequenos produtores, que têm um grande passivo", destacou.
Na qualidade de amicus curiae, a SRB apresentou no STF embargos de declaração que propunham a modulação dos efeitos do Funrural, ou seja, que a cobrança do tributo passasse a valer após o trânsito em julgado na Corte. Com a decisão tomada na semana passada, a cobrança da contribuição passa a ter efeito retroativo.
Para a entidade, a sentença do STF, assim como a manifestação de Ministros que votaram contra a modulação, simbolizam a fragilidade do sistema Judiciário, sobretudo das decisões tomadas pelos Tribunais de Justiça em primeira e segunda instâncias no País. "
A SRB recomenda aos produtores rurais que conversem com seus advogados para avaliar os efeitos da decisão do STF e refletir sobre o melhor caminho a seguir. Pelas regras do chamado Refis do Funrural, quem aderir às condições do programa poderá quitar a dívida com 100% de desconto nos juros, multas e outros encargos. Para aguardar a decisão do Supremo, o governo prorrogou o prazo de adesão ao programa de parcelamento de dívidas de produtores com o Funrural. O prazo já foi prorrogado duas vezes, e o governo estuda um novo adiamento para adesão.
Advogado tributarista indica que os débitos sejam negociados
Para o advogado tributarista do Schneider, Pugliese, advogados, Flavio Carvalho, a decisão do STF indica para os contribuintes que a contribuição do Funrural ainda não quitada pelos produtores rurais é devida desde 2001, sendo que os "débitos em aberto deverão ser regularizados aproveitando as benesses instituídas pelo Programa de Regularização Rural (PRR) e evitando penalizações junto aos órgãos de fiscalização, como a Receita Federal do Brasil (RFB)".
Os produtores rurais, que esperavam há anos o reconhecimento da inconstitucionalidade do pagamento da contribuição, devem aderir ao Refis do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural. "A decisão do STF, embora possua consideráveis argumentos técnico-jurídicos, demonstra os problemas sociais gerados pela Corte quando demora muitos anos para se manifestar em definitivo em questões tributárias relevantes para a sociedade", defende Carvalho.
No caso dos embargos de declaração analisados na semana passada, "o julgamento poderia servir para que o STF conferisse segurança jurídica aos produtores rurais, dando efeitos prospectivos à decisão de 2017", ressalta o especialista.
Contudo, a maioria dos ministros considerou que os contribuintes afetados pelo Funrural não possuíam a expectativa legítima de não pagar tal tributo. "Até então, a Corte do STF nunca tinha se manifestado sobre a Lei nº 10.256/01", finaliza o advogado.
O endividamento dos produtores gaúchos foi tema de reunião na Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA). O presidente do Sistema Farsul, Gedeão Pereira, faz uma avaliação positiva desse início de negociações e considera que "são bastante promissoras as informações, no sentido de que iremos conseguir dar mais prazo aos produtores rurais".
"Principalmente para aqueles que já estão inadimplentes, na tentativa de resgatá-los para o sistema financeiro. Ficou muito clara a impressão de que a pior situação para o agronegócio é a inadimplência do produtor rural. É ruim para o setor e para o sistema financeiro", explica Gedeão.
Conforme nota da Farsul, as tratativas envolvem, especialmente, os arrozeiros gaúchos, mas não está descartada a inclusão de outros produtores. "Achamos que vamos incluir alguns outros nichos da produção. Notadamente na Metade Sul do Rio Grande do Sul nós tivemos problemas pontuais muito sérios, como há dois anos ocorreu o excesso de chuva com perdas na soja e neste ano situação repetida pela falta da chuva", avalia. Serão agendados encontros técnicos para o ajustes das condições dessa renegociação.