A necessidade urgente de o Brasil promover a chamada reforma tributária foi consenso entre os convidados e os senadores que participaram, nesta segunda-feira (19), da audiência pública interativa realizada pela Comissão de Constituição e Justiça sobre a PEC 110/2019, que reformula o sistema tributário brasileiro.
A primeira parte da audiência foi conduzida pela presidente da CCJ, senadora Simone Tebet (MDB-MS). Ela afirmou que as reformas tributária e da Previdência têm forte ligação econômica e política e são complementares. Simone disse que os brasileiros são os cidadãos que mais pagam impostos no mundo, se levada em conta a relação entre a carga tributária e a qualidade dos serviços públicos oferecidos.
— É urgente que a reforma tributária seja aprovada no Congresso Nacional. O Brasil tem pressa e uma reforma não se sustenta sem a outra — disse Simone, destacando ainda que os trabalhadores e empreendedores do Brasil estão sobrecarregados de impostos.
A segunda parte da reunião foi conduzida pelo relator da PEC 110/2019, o senador Roberto Rocha (PSDB-MA). Ele disse que tem condições de entregar seu relatório em até 45 dias. Para o senador, a reforma tributária vai aumentar a segurança jurídica no país.
O primeiro convidado a falar foi o ex-deputado federal Luiz Carlos Hauly, um dos principais idealizadores da PEC 110/2019, que tem o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, como primeiro signatário e as assinaturas de outros 64 senadores. A proposta extingue nove tributos: IPI, IOF, PIS/Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide-combustíveis e CSLL (federais); ICMS (estadual); e ISS (municipal). No lugar deles, será criado um imposto sobre o valor agregado, de competência estadual, chamado de Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), e um outro sobre bens e serviços específicos, chamado Imposto Seletivo, de competência federal.
Luiz Carlos Hauly garantiu que a proposta em análise no Senado não vai acarretar aumento da carga tributária nem perdas para os entes federados.
— Não é reforma, é uma reengenharia tecnológica fraterna e solidária para fazer o Brasil crescer e distribuir renda com justiça social.
O ex-deputado disse que a proposta segue o modelo clássico europeu de tributação, que adota o imposto sobre valor agregado (IVA), que seria o IBS no Brasil. Segundo ele, 165 países já usam esse tipo de sistema tributário. Disse ainda que a reforma pretende abolir os impostos que atingem alimentação, medicamentos, água e esgoto, educação e transporte urbano.
Hauly afirmou que o atual sistema tributário tem grandes problemas, como as inúmeras renúncias fiscais, que custam cerca de R$ 500 bilhões por ano à União, estados e municípios, e a sonegação fiscal, que chega a R$ 460 bilhões anuais. Também problemáticas são a corrupção e a burocracia, acrescentou. Em sua avaliação, todos esses problemas serão diminuídos com a aprovação da reforma.
Ainda de acordo com o ex-deputado, o Brasil está em 184º lugar entre 190 países em qualidade do sistema tributário.
— Essa reforma vai trazer mais benefícios para o país que o Plano Real. A reforma tributária vai estabilizar a concorrência entre as empresas brasileiras e fazer do Brasil um dos maiores países em desenvolvimento econômico e industrial do mundo — afirmou Hauly.
Por sua vez, o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, afirmou que o Brasil precisa retomar a eficiência e a simplicidade tributárias. Para ele, o país está 50 anos atrasado na adoção do IVA, modelo que, em sua avaliação, deu certo na maior parte do mundo. Entretanto, ele se mostrou cético de que a reforma possa diminuir a carga tributária em relação ao PIB.
Já o deputado federal Luciano Bivar disse que o Brasil tem um ‘manicômio tributário’. Ele também defende a reforma tributária como uma das mais urgentes, para que o sistema seja simplificado e desburocratizado e para que a carga tributária seja diminuída. O deputado disse que vai apresentar uma proposta de reforma tributária diferente, que prevê, inclusive, um novo tipo de CPMF. A proposta dele também aglutina diversos impostos atuais em um imposto federal único.
O líder do governo no Senado, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), defendeu que o Senado deva ter a última palavra na reforma tributária, uma questão federativa, por ser o representante dos estados. Ele disse que a reforma tem que levar em conta as desigualdades regionais e não prejudicar os estados em desenvolvimento. A preocupação com os estados em desenvolvimento das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste, também foi colocada pelo senador Vanderlan Cardoso (PP-GO).
O senador Marcelo Castro (MDB-PI) defendeu a tributação de lucros e dividendos e disse que impostos nos moldes da antiga CPMF podem ser muito úteis para o país, pois têm baixas alíquotas, ampla base de contribuição, não podem ser sonegados e sua arrecadação não requer gastos. Além disso, acrescentou o senador, esse tipo de imposto ajuda a rastrear o caminho do dinheiro e arrecada mais de quem movimenta mais recursos. Ele também sugeriu que seja incluída na reforma tributária a previsão de royalties para os mercados de energia eólica e solar, de forma parecida aos royalties do petróleo e da mineração.
Também participaram dos debates os senadores Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Weverton (PDT-MA).
Pela PEC 110/2019, o IBS não será aplicado sobre medicamentos e alimentos. Como será de competência estadual, mas com uma única legislação federal, a arrecadação deverá ser administrada por uma associação de fiscos estaduais. Já o Imposto Seletivo incidirá sobre produtos específicos, como petróleo e derivados; combustíveis e lubrificantes; cigarros; energia elétrica e serviços de telecomunicações. Lei complementar vai definir os produtos e serviços sobre os quais incidirá o Imposto Seletivo, recaindo sobre os demais o IBS estadual.
Além da fusão ou extinção de tributos, a PEC altera as competências tributárias da União, de estados, Distrito Federal e municípios. Assim como o ITR, que incide sobre a propriedade rural, o IR será mantido na esfera federal, embora suas alíquotas sejam ampliadas com o fim da CSLL. Para evitar perdas de arrecadação para alguns entes federados, propõe-se a criação de dois fundos, que vão compensar eventuais disparidades da receita per capita entre estados e municípios.
Entre outras medidas previstas, destaca-se a autorização aos municípios para proporem leis complementares que regulem o IBS. Leis complementares também deverão definir critérios, forma e montante da compensação aos municípios em caso de frustração de receitas. Para amenizar eventual prejuízo, recursos do fundo de equalização de receitas per capita, chamado de Fundo de Solidariedade Fiscal, seriam usados pelo prazo de 15 anos.
Em relação a incentivos fiscais, o IBS em geral não permite a concessão desse benefício, cabendo, no entanto, exceções, como no caso do transporte público de passageiros. Ainda sobre o tributo, vincula-se parte de suas receitas ao financiamento da seguridade social e de programas do BNDES.
Por fim, o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) passará a ser de competência federal, mas com receita destinada aos municípios, cabendo às prefeituras auxiliar na fixação do valor dos imóveis tributados pelo imposto. Já o IPVA passa a atingir aeronaves e embarcações, mas exclui veículos comerciais destinados à pesca e ao transporte público de passageiros e de cargas. A receita desse imposto passaria a ser integralmente destinada aos municípios, delegando-se a lei complementar a definição de alíquotas máximas e mínimas e de parâmetros para a concessão de benefícios fiscais.