O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente a discussão encaminhada por uma empresa exportadora sobre a aplicação ou não da redução da alíquota do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra). O plenário do STF reconheceu por unanimidade, também, a existência de repercussão geral no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1285177.
O julgamento do mérito do ARE deverá ocorrer no prazo de um ano de acordo com o regimento do STF, o que nem sempre acontece. Enquanto isso, todos os demais julgamentos envolvendo o Reintegra nos tribunais brasileiros ficam suspensos.
O juízo da 2ª Vara Federal Cível de Vitória, no entanto, determinou que a União se abstivesse de aplicar a redução pelo prazo de 90 dias, contados a partir de 30 de maio de 2018, em obediência ao princípio da anterioridade nonagesimal (alínea "c" do mesmo dispositivo). A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2).
O recurso foi escolhido pelo STF para o reconhecimento da Repercussão Geral nos julgamentos envolvendo o Reintegra e serve de leading case para as demais ações discutindo a aplicabilidade do princípio da anterioridade geral (anual ou de exercício) em face das reduções de benefícios fiscais previstos no Reintegra, ocorridas nos Decretos 8.415/2015 e 9.393/2018.
O relator do recurso, ministro Luiz Fux, presidente do STF, reconheceu, em seu voto, que a matéria possui densidade constitucional suficiente para o reconhecimento da existência de repercussão geral, pois a temática revela potencial impacto em outros casos, tendo em vista a multiplicidade de recursos sobre a matéria. Segundo Fux, uma simples pesquisa de jurisprudência aponta para centenas de julgados.
O ministro afirma que cabe, agora, ao STF conferir interpretação unívoca ao princípio constitucional da anterioridade do exercício financeiro e da anterioridade nonagesimal, "balizados pelos princípios da segurança jurídica e da não surpresa e o respeito à previsibilidade orçamentária do contribuinte".
Em sua manifestação, o ministro assinalou, ainda, que, apesar de a jurisprudência do Supremo ser no sentido de que a redução da alíquota do Reintegra configura aumento indireto de tributo e deve obedecer ao princípio da anterioridade nonagesimal, não há, ainda, posicionamento pacífico sobre a aplicabilidade da anterioridade anual.
Nas sessões de votação, nove dos 10 ministros do STF reconheceram que o recurso deve ser julgado pelo instituto da Repercussão Geral. Votaram a favor: Gilmar Mendes, Marco Aurélio Melo, Luis Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Tofoli, Carmen Lúcia, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. O novo ministro Kássio Nunes ainda não havia tomado posse no Supremo e, por isso, não participou da votação.
Em 2015, o Decreto 8.543 reduziu o percentual de crédito a ser apurado de 1% para 0,1%. Após, de janeiro a dezembro de 2017, esse valor aumentou para 2%. No ano seguinte, em 2118, o Decreto 9.393, reduziu o percentual novamente de 2% para 0,1%.
Essa alteração está em vigor desde 1 de junho de 2018. A decisão foi tomada em meio à crise provocada pela greve dos caminhoneiros sob a alegação de que serviria para cobrir as despesas decorrentes de acordo firmado com a categoria. O intuito foi viabilizar a redução de R$ 0,46 do preço do litro do diesel e colocar fim à mobilização que parou o País.
A decisão causou não apenas uma redução no crédito apurado pelas empresas, mas também um ambiente de insegurança jurídica em relação ao regime. Na ocasião, entidades representativas se posicionaram contra a decisão, que segue impactando as empresas exportadoras de diferentes segmentos em seus resultados até hoje. Diversas companhias entraram na justiça.
Desde 2015, a insegurança jurídica gerada pelas mudanças no percentual de crédito a ser apurado preocupa as empresas exportadoras abarcadas pelo Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra). Um dos pontos debatidos gira em torno da aplicação do princípio de anterioridade no caso da redução do percentual em maio de 2018.
Essa regra válida para os temas fiscais e tributários no Brasil determina que alterações nos percentuais e alíquotas não podem ser feitas no meio de um ano, por exemplo. Isso porque as pessoas jurídicas, e até mesmo as pessoas físicas, precisam se preparar para pagar um valor maior em impostos ou para deduzir um valor inferior no seu imposto de renda, por exemplo.
No caso do Reintegra, a justificativa é que esse princípio não foi cumprido quando de um dia para o outro o percentual dedutível ou resgatável mudou. Uma das empresas que entraram com mandado de segurança discutindo a interpretação foi uma empresa de Vitória, no Espírito Santo.
A multinacional Levantina Brasil, de origem espanhola, garantir o direito ao benefício calculado pela alíquota de 2% sobre todas as exportações realizadas ao longo de 2018, com base no princípio da anterioridade anual do exercício financeiro (artigo 150 da Constituição Federal).
Segundo a advogada da empresa recorrente, Flavia Holanda Gaeta, do FH Advogados, o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) pretende discutir sobre a aplicação do percentual de 2% do crédito do Reintegra para todo o ano de 2018, reconhecendo que a redução do benefício para o percentual de 0,1%, valesse a partir do ano de 2019. "Esse entendimento está em conformidade com a segurança jurídica que deve haver para os contribuintes, a fim de que eles não sejam surpreendidos pelo Fisco com a redução do crédito decorrente do benefício fiscal", explica.
O caso, no entanto, é simbólico também porque abarca outros questionamentos em torno do Reintegra. A advogada explica que o STF entendeu que o tema gira em torno da aplicação dos benefícios em matéria de Reintegra e que, por isso, é mais abrangente. Daí a decisão por definir que a decisão tem repercussão geral e por aplicar o mecanismo de paralisar o julgamento de casos envolvendo o Reintegra.
"Entram em standby (modo de espera) o processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão do Reintegra em primeira e segunda instância", explica Flavia. Pelo regimento interno, o STF é obrigado a comunicar todos os Tribunais Regionais Federais (TRFs) e as primeiras instancias federais para que processos relacionados sejam suspensos até que oi mérito seja resolvido.
O TRF4, de acordo com a advogada, já começou a interromper os julgamentos. A especialista tem quatro empresas gaúchas entre os seus clientes com pedidos de revisão do crédito de Reintegra que agora têm de aguardar uma definição. "O Rio Grande do Sul tem estaleiros navais e empresas exportadoras. Uma parcela importante apura o Reintegra", lembra.
Para a advogada, o Supremo deve acatar a aplicabilidade do princípio da anterioridade geral no Reintegra, pois "os exportadores não podem ter o seu direito ao crédito do Reintegra no percentual de 2% violado para apenas uma parte do ano de 2018", complementa.
O Reintegra foi criado em 2011 com o objetivo de devolver, parcial ou integralmente, o resíduo tributário remanescente na cadeia de produção de bens exportados. Por lei, as empresas exportadoras têm direito a um crédito tributário que varia entre 0,1% e 3% sobre a receita auferida com a venda de bens ao exterior.
O programa busca estimular as exportações e a competitividade dos exportadores brasileiros. O Reintegra permite apurar crédito na exportação de bem industrializado no país e classificado na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI), conforme bens relacionados no Decreto nº 8.415/15.
O regime se aplica apenas a bens cujo custo total de insumos importados não ultrapasse o limite percentual do preço de exportação estabelecido na TIPI (40% ou 65%).
A pessoa jurídica pode compensar o crédito apurado com débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos e contribuições administrados pela Receita Federal do Brasil, ou solicitar o ressarcimento do valor em espécie, observada a legislação específica.
Desde 2019, a venda de mercadorias destinadas à Zona Franca de Manaus passou a equivaler à exportação para o exterior.
O aumento no percentual do crédito do Reintegra é um dos pleitos apresentados por entidades representativas da indústria a fim de contornar a recessão econômica vivida no Brasil desde o agravamento da pandemia do Covid-19. Ainda no começo do ano, a Coalizão Indústria, integrada por 15 entidades do setor, defende a retomada de alíquotas mais altas junto ao governo federal.
Para a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), que integra o grupo informal, a alíquota atual do programa está bem distante do percentual de resíduos tributários da cadeia de produção da indústria de máquinas e equipamentos. De acordo com a diretora executiva de mercado externo da Abimaq e gerente do Brazil Machinery Solutions, Patrícia Gomes, estudos comprovam que existe um resíduo tributário de 6,44% remanescente da cadeia de produção do setor de máquinas e equipamentos.
A entidade lembra que, na competição global por mercados, a maior parte dos países isenta suas exportações de tributos. O Brasil faz o mesmo caminho quando são analisados os impostos diretos.
No entanto, devido às distorções do sistema tributário brasileiro, as isenções não alcançam todos os impostos e contribuições recolhidos pelos fornecedores da cadeia produtiva da indústria, o que leva o país a exportar tributos junto com seus produtos, resultando assim em uma redução da competitividade do produto brasileiro no mercado internacional. A função do Reintegra é justamente corrigir essa distorção.
“O retorno para a alíquota inicial, de 3%, e seu gradativo aumento nos próximos anos é indispensável para a manutenção dessa competitividade”, afirma Patrícia. Outra questão que também preocupa as empresas é a falta de previsibilidade sobre os valores das alíquotas, uma vez que elas são amplamente utilizadas na negociação com compradores internacionais.
A advogada especializada na concessão de créditos do Reintegra,Flavia Holanda, da FH Advogados, explica que o aumento do percentual pode ocorrer também dentro do exercício. O princípio da anterioridadegeral (anual ou de exercício) diz respeito às reduções de benefícios fiscais previstos no Reintegra.
“Agrande justificativa do respeito a anterioridade é o direito a previsibilidade. É uma regra que visa a proteger o contribuintee que está centrada na garantia de que uma decisão do Fisco não vai acabar por prejudicar o planejamento financeiro e fiscal já realizado”, explica Flavia. No caso de uma decisão que vá ao encontro do que a classe empresarial almeja, nesse caso o aumento do percentual que pode retonar ao caixa das empresas exportadoras, não é necessário que ele passe a valer apenas no ano seguinte, sustenta a especialista.